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Mau caminho que sabe Bem
- Doeu?
Eu tinha 21 anos e nunca o tinha feito, por isso é natural que estivesse curiosa.
- Doeu ou não?
Conheci a Heloísa o ano passado, no mês de junho. Não eramos grandes amigas, confesso, mas eu estava ansiosa por ouvir a sua história. A Helô é brasileira e estava a estudar em Portugal. Dizem que, no Brasil, era uma rapariga muito atinadinha: pouco frequentadora de festas, fiel ao namorado, álcool só em casamentos e batizados. Drogas, nem vê-las, nem leves nem pesadas, nem coisas nenhuma.
Mas depois tinha chegado a Portugal e pronto, isto do Erasmus desgraça uma pessoa. Mas lá está, o Mau caminho sabe Bem e, portanto, a Helô estava a aproveitar ao máximo a fuga à rotina. Eu sei, por experiência própria, que os estudantes Erasmus o fazem: fazem o que, em casa, nunca fariam. Tentam. Experimentam. Arriscam. “Perdem a cabeça” e, por vezes, a dignidade.
E é por isso que ela tinha vivido aqui, no Porto, a sua primeira vez.
Já tinha publicado no facebook que o tinha feito, já toda a gente sabia, e contou-me:
- Doeu, sim. Doeu e a minha t-shirt rasgou. E trinquei o lábio com força. Sabes, foi do impacto.
Permitam-me que vos explique: é tradição, no Porto, os turistas pagarem aos meninos da Ribeira para mergulharem da Ponte Luíz I (ou D. Luís, como é conhecida) para o rio Douro. Esses miúdos conhecem a forma mais adequada de mergulhar porque o fazem desde sempre, estão mais que habituados e não se magoam.
Os estudantes de Erasmus não estão minimamente preparados para uma aventura deste tipo. Mas muitos acham que não podem sair do Porto sem ter saltado, independentemente da inexperiência e dos riscos que correm. É um fenómeno engraçado, que um dia pode correr muito, muito mal, e que eu tenho acompanhado de perto por conviver bastante com jovens estrangeiros. Eu digo-lhes “é perigoso”; mas eles querem viver a sua primeira vez. Como a Helô.
Ela tinha o lábio roxo e inchado mas estava orgulhosa da sua proeza. Eu estava surpreendida. Não imaginei que a t-shirt pudesse rasgar-se só com o embate na água. Deve ter doído muito. Tive medo. Imaginei que ela podia ter morrido, criei todo um drama na minha cabeça. Perguntei-lhe se estava arrependida.
- Eu não! – respondeu-me, aparentemente segura de si.
Sinceramente, duvido. Para a Helô, foi a primeira vez e, provavelmente, a última. Não a imagino a repetir a façanha, sob pena de se magoar a sério.
Este ano, por esta altura, a história repete-se e os estudantes Erasmus já estão a planear o próximo salto. Da minha parte, continuo sem ter experimentado, nem está nos meus planos fazê-lo, a curto prazo.
Deixemos isso para os meninos da Ribeira; que eu prefiro-a à segunda à noite sem contacto direto com o rio.
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