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Mau caminho que sabe Bem
A ti, "homem",
A culpa não é (só) tua, mas de quem (não) te ensinou.
É da educação que incita à falta de respeito. Começa no pai que assobia à rapariga de mini-saia enquanto o filho o observa e aprende, nas séries de televisão em que o homem dá uma palmada no rabo da amante “sem más intenções”, nas publicidades que objetificam as mulheres para a construção de um clima “sensual”, nos colegas da escola que espreitam as meninas no balneário, “inocentemente”, porque é tradição.
Aqui há uns dias tive de percorrer, a pé, uma estrada extensa na área do Grande Porto. É uma estrada muito movimentada e ladeada de polos industriais. Passaram por mim carros e camiões que buzinaram, abriram a janela e gritaram piropos mais ou menos perversos. Na brincadeira, claro, como tu às vezes fazes.
Quando estava prestes a chegar ao meu destino um senhor com idade para ser meu avô abordou-me. Começou por dizer que eu era “mesmo boa” e me “comia toda”, e depois sugeriu que eu lhe fizesse “um bico”. A minha mente tem tendência a divagar mais do que eu gostaria, e, imediatamente, imaginei que o agredia. Eu sei que a violência nunca é a solução, mas, na minha cabeça, eu apliquei-lhe uma joelhada certeira entre as pernas. Ele era fraquinho, cambaleou, caiu e bateu com a cabeça no passeio. Foi internado no hospital e aprendeu a lição, nunca mais voltou a importunar mulheres até ao fim da vida.
Não fiz nada do que imaginei, e ele continuou a gritar. Acelerei o passo até à estação de comboios, sem olhar para trás, a desejar que aquilo acabasse rapidamente. Senti-me tão desconfortável (outra vez), tão vulnerável e, acima de tudo, com tanta raiva.
Sabes, não é uma situação pouco usual; o que não a torna aceitável. É sempre assim, e tenho vergonha de morar num país em que não posso andar na rua à vontade, sobretudo no verão, com os vestidos curtos de que tanto gosto e os calções que tornam suportáveis as temperaturas mais elevadas, por existirem pessoas como tu. Não é lisonjeiro, não é reconfortante para a nossa auto-estima, como tu pensas. Seja qual for o contexto, este comportamento é injustificável.
Já vivi situações bastante piores com homens sexualmente perturbados. Em 24 anos de vida já presenciei 3 – TRÊS! – homens a masturbarem-se no meio da rua, que me chamaram para que eu os visse. Deparei-me com o primeiro quando tinha cerca de 14 anos: ele estava dentro de uma carrinha e chamou-me a mim e às minhas colegas. Nós julgámos que ele estava perdido; mas ele perguntou-nos se queríamos um chupa-chupa e continuou a masturbar-se. O segundo também o fez dentro de um carro, em plena luz do dia, e o terceiro estava a andar ao pé de minha casa, à noite.
A maior parte das minhas amigas e colegas já presenciou cenas de exibição sexual pública e todas, sem exceção, já ouviram propostas indecentes de desconhecidos.
Eu sei que as situações de exposição são mais graves que os “piropos” que ouço regularmente, mas, mesmo assim, que cultura é esta que os banaliza?
Desde agosto do ano passado que as propostas de teor sexual são consideradas delito em Portugal e podem dar até 3 anos de prisão (caso sejam dirigidas a menores de 14 anos). Mas, na prática, o que é que eu te faço? Vou à esquadra, denuncio o sucedido? E se não há testemunhas, como é que conferem a veracidade das minhas palavras? E até que ponto um “faz-me um bico” será levado a sério como acusação?
Tu, claro, és o extremo mais grave e doentio. Mas não me admira que, em criança, tenhas presenciado maus tratos a mulheres, tenhas, mais tarde, tu próprio feito propostas de caráter sexual às meninas que passavam na rua, até chegares ao ponto de violar porque um “não” te soa a “sim”. A sociedade educou-te para seres "homem" e este grande final foi apenas a consequência dessa tua educação.
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