Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



Quando contei que ia trabalhar um mês na China, alguns dos meus amigos disseram, visivelmente entusiasmados, que iria adorar a experiência e que tinha muita sorte.

Outras pessoa (bastantes...) responderam com uma série de recomendações e comentários sobre poluição tão espessa que nem se consegue ver o azul do céu, calor sufocante que ninguém aguenta, gastronomia que inclui cães e gatos semivivos às refeições, hábitos culturais traumatizantes para os ocidentais, pedidos de vistos negados sem motivo, pessoas antipáticas e pouco higiénicas e uma série de outras "advertências" às quais eu sorri de forma mais ou menos convicta e que me deixaram ansiosa; e eu nunca tive medo até as ouvir.

E agora estou aqui, disposta a perceber se estes preconceitos todos que trouxe na mochila fazem sentido, ou se os posso deixar cá ficar.

 

Preconceito #1 – Calor insuportável

 

Parece que já passou imenso tempo, mas a verdade é que nem uma semana. Cheguei ao aeroporto do Porto a uma quinta-feira e, até então, o nosso “verão” tinha registado temperaturas bastante abaixo do normal. Claro que, mal me vim embora, o calor veio, aparentemente, para ficar. Neste momento, em Portugal, há cidades em que os termómetros marcam 44'C.

 

Em Xangai também é díficil suportar o clima: já experienciei 35'C, mas sei que me esperam dias ainda mais quentes, e que não se trata de uma “vaga de calor”, mas de um verão típico, até relativamente fresco. No dia em que cheguei choveu bastante, e é engraçada essa sensação de saber que está a chover, mas, ao mesmo tempo, vestir manga curta. Essa escolha que se faz quando se traz um guarda-chuva na carteira, mas sandálias nos pés.

A partir do dia seguinte e até hoje, nunca mais choveu, o sol brilha com força no céu azul (sim, o céu é azul mesmo com a poluição, mas isso é outro preconceito que vou explorar mais tarde) e nem à sombra se está realmente confortável. No sábado andámos quilómetros pela cidade e confesso que me custou. Também é curioso perceber que até as noites são quentes: ainda que se note alguma diferença em relação ao dia porque o sol já se pôs, as temperaturas mínimas nunca descem muito abaixo dos 30 graus.

 

 

A grande diferença entre estar no Porto e em Xangai na minha rotina é que, em Xangai, não sinto calor em locais fechados. Em Portugal, a esta hora, eu estaria no andar de baixo de minha casa (o único em que se consegue respirar no verão), com as luzes todas apagadas, de cuecas e, eventualmente, ao pé de alguma ventoinha antiga que ainda conservasse. Em Xangai, eu entro no meu escritório e já alguém ligou o ar condicionado umas horas antes. Eu vou a um restaurante e o ar condicionado está ligado, bem como no metro, na maioria dos autocarros, nas salas de reuniões e seminários, nos cafés, na Universidade, na cantina e, para minha felicidade, na residência universitária onde vivo e, em particular, no meu quarto. É impensável imaginar Xangai sem ar condicionado em qualquer espaço fechado e essa realidade não me é, de todo, familiar. É um luxo ao qual não estou acostumada e que torna o meu dia-a-dia bem mais fácil.

 

 

Apercebi-me ainda que a forma como vemos o sol é muito diferente na Europa e na China. Fiquei bastante surpreendida porque as voluntárias que acompanharam os estudantes na visita guiada pela cidade vestiam todas – sem exceção – casacos ou camisolas de manga comprida. Estavam 35'C e eu desejei estar de bikini numa qualquer praia do Algarve – ou de Moledo, até a água gelada de Moledo calhava bem. De maneira que, assim que conquistei a confiança de uma das meninas, perguntei porque raio estavam todas de casaco. E ela explicou-me que os chineses, e, particularmente, as chinesas, têm muito cuidado com o sol e evitam ao máximo expor a pele. Por um lado, por motivos de saúde, pois levam muito a sério as consequências que podem advir da exposição solar; por outro lado porque o conceito de “beleza” na mulher chinesa pressupõe a pele o mais branca possível. A jovem voluntária com quem falei gabou-se várias vezes, muito orgulhosa do casaco que trazia vestido, por ser fresco e fino, mas impedir qualquer exposição solar, ter carapuço e proteger a cara.

De facto, é muito comum ver chinesas a andar na rua de guarda-chuva, mesmo quando não chove. Usam-no como forma de se protegerem do sol e do calor, independentemente da idade.

 

timg.jpg

 

Já eu, sou bastante morena, sobretudo após ter ido à praia algumas vezes este ano, o que é visto com maus olhos por aqui, porque “o meu tom de pele não é considerado bonito”. Não deixo de ter o meu encanto por ser europeia (vou escrever um artigo inteiro sobre o fascínio que os chineses têm sempre que se deparam com alguém de traços físicos não ocidentais!) mas as minhas colegas alemãs, loiras, altas, e muito branquinhas (como a Fabiola, na foto), essas é que cumprem todos os requisitos para se ser bonito sem abdicar da "originalidade" nem descurar a saúde, na China!

publicado às 03:20

A ti, "homem"

por MPS, em 20.07.16

A ti, "homem",

A culpa não é (só) tua, mas de quem (não) te ensinou.

É da educação que incita à falta de respeito. Começa no pai que assobia à rapariga de mini-saia enquanto o filho o observa e aprende, nas séries de televisão em que o homem dá uma palmada no rabo da amante “sem más intenções”, nas publicidades que objetificam as mulheres para a construção de um clima “sensual”, nos colegas da escola que espreitam as meninas no balneário, “inocentemente”, porque é tradição.

 

Aqui há uns dias tive de percorrer, a pé, uma estrada extensa na área do Grande Porto. É uma estrada muito movimentada e ladeada de polos industriais. Passaram por mim carros e camiões que buzinaram, abriram a janela e gritaram piropos mais ou menos perversos. Na brincadeira, claro, como tu às vezes fazes.

Quando estava prestes a chegar ao meu destino um senhor com idade para ser meu avô abordou-me. Começou por dizer que eu era “mesmo boa” e me “comia toda”, e depois sugeriu que eu lhe fizesse “um bico”. A minha mente tem tendência a divagar mais do que eu gostaria, e, imediatamente, imaginei que o agredia. Eu sei que a violência nunca é a solução, mas, na minha cabeça, eu apliquei-lhe uma joelhada certeira entre as pernas. Ele era fraquinho, cambaleou, caiu e bateu com a cabeça no passeio. Foi internado no hospital e aprendeu a lição, nunca mais voltou a importunar mulheres até ao fim da vida.

Não fiz nada do que imaginei, e ele continuou a gritar. Acelerei o passo até à estação de comboios, sem olhar para trás, a desejar que aquilo acabasse rapidamente. Senti-me tão desconfortável (outra vez), tão vulnerável e, acima de tudo, com tanta raiva.

Sabes, não é uma situação pouco usual; o que não a torna aceitável. É sempre assim, e tenho vergonha de morar num país em que não posso andar na rua à vontade, sobretudo no verão, com os vestidos curtos de que tanto gosto e os calções que tornam suportáveis as temperaturas mais elevadas, por existirem pessoas como tu. Não é lisonjeiro, não é reconfortante para a nossa auto-estima, como tu pensas. Seja qual for o contexto, este comportamento é injustificável.

 

Já vivi situações bastante piores com homens sexualmente perturbados. Em 24 anos de vida já presenciei 3 – TRÊS! – homens a masturbarem-se no meio da rua, que me chamaram para que eu os visse. Deparei-me com o primeiro quando tinha cerca de 14 anos: ele estava dentro de uma carrinha e chamou-me a mim e às minhas colegas. Nós julgámos que ele estava perdido; mas ele perguntou-nos se queríamos um chupa-chupa e continuou a masturbar-se. O segundo também o fez dentro de um carro, em plena luz do dia, e o terceiro estava a andar ao pé de minha casa, à noite.

A maior parte das minhas amigas e colegas já presenciou cenas de exibição sexual pública e todas, sem exceção, já ouviram propostas indecentes de desconhecidos.

 

Eu sei que as situações de exposição são mais graves que os “piropos” que ouço regularmente, mas, mesmo assim, que cultura é esta que os banaliza?

Desde agosto do ano passado que as propostas de teor sexual são consideradas delito em Portugal e podem dar até 3 anos de prisão (caso sejam dirigidas a menores de 14 anos). Mas, na prática, o que é que eu te faço? Vou à esquadra, denuncio o sucedido? E se não há testemunhas, como é que conferem a veracidade das minhas palavras? E até que ponto um “faz-me um bico” será levado a sério como acusação?

 

Tu, claro, és o extremo mais grave e doentio. Mas não me admira que, em criança, tenhas presenciado maus tratos a mulheres, tenhas, mais tarde, tu próprio feito propostas de caráter sexual às meninas que passavam na rua, até chegares ao ponto de violar porque um “não” te soa a “sim”. A sociedade educou-te para seres "homem" e este grande final foi apenas a consequência dessa tua educação.

publicado às 19:38

Os nossos Demónios

por MPS, em 08.09.15

Eu nunca tinha visto ninguém a injetar-se. Se me tivessem perguntado dois ou três dias antes, provavelmente ter-me-ia fingido a maior entendida nesse assunto. Já tinha experimentado umas quantas drogas, mas leves – nada que se comparasse minimamente às injetáveis. Porém, teria mentido para parecer mais experiente do que sou; teria respondido que sim, que já tinha conhecido imensa gente que o faz, que não me metia medo.

 

A verdade é que fiquei em estado de choque, com vontade de fugir. Curiosamente, os meus pés não me obedeceram, e mantive-me imóvel, especada a olhar. Acho que a embalagem de comida não me escorregou das mãos por um triz.

- Desculpe, menina. Desculpe. – invadiu-me uma raiva surda porque ele estava a pedir desculpa, mas não parava… porque é que isso continua no teu braço? Respirei fundo.

- Eu… eh…  - as palavras estavam tão presas na garganta como os pés no chão. – Eu… não tem mal. Quer uma refeição quentinha?

Não me lembro se estava frio. Conhecia bem aquela rua, ao pé da Casa da Música, no Porto. Fazia o mesmo percurso desde que era voluntária. Mas aquilo, aquilo nunca tinha visto.

- Obrigada menina. E, mais uma vez, desculpe.  Deixe aqui ao pé de mim, que eu já como.

Pousei a refeição e preparava-me para correr, quando ele perguntou:

- Queres falar?

- Hum… Não tenho muito tempo.

- Senta-te aqui um bocadinho. Quero falar-te dos meus demónios.

 

A voz do rapaz (ou seria um homem?) arrastava-se. Não me sentei, mas fiquei a ouvir. Não me lembro das palavras exatas, mas disse qualquer coisa do género:

- A puta da minha ex trocou-me por um cabrão qualquer. – fez uma pausa (aquela porcaria continuava injetada, e eu sem conseguir pedir que ele a tirasse. Que situação ridícula: “olhe, desculpe, não quer retirar essa seringa do braço, por favor?”) - Não fui o melhor namorado do mundo. Eu tinha ciúmes e enchia-a de porrada. Mas era porque gostava dela, e ela era minha. Porque sabia que os outros gajos reparavam nela – e ela deixava. Depois fartou-se, a puta. Nunca mais a vi. Mas eu todos os dias vejo a cara dela. Lembro-me bem. São os demónios que encontro antes de dormir.

 

Não fui nem um bocadinho altruísta. Só me queria ir embora. Queria tanto correr para o Burguer King, enfardar nuggets com molho de queijo, e deixar o homem ali sozinho.

- E os teus demónios, princesa?

Abri bem os olhos e fiquei a pensar na palavra. “Demónios”. Os meus demónios? Só me lembrava de um. Deixei de pensar nos nuggets.

- Tive um. No meu primeiro ano de faculdade. Mas agora acho que já superei. Quando penso nele parece que estou a ver um filme e que se passou com outra pessoa e não comigo, e não dói.  – o que eu disse ao rapaz (ao homem?) era tão verdade que me surpreendeu.

 

- Achas que nunca vais estar aqui, não é?

Não respondi. E fiz aquilo que nunca se deve fazer; julguei e opinei:

- Devias largar isso. Deixa-me ajuda-te. Eu vou pedir ajuda a alguém e vamos levar-te ao hospital.

Nessa noite sonhei com o meu demónio e acordei de madrugada a transpirar. Percebi que a única diferença entre o impacto dos nossos demónios é a qualidade do berço onde nascemos e a família que nos acolhe. O que é que me teria acontecido quando conheci o meu demónio se não viesse de uma família rica e que me ama? Seria assim tão forte, sozinha? Ou seria eu ali deitada?

 

Não o ajudei.

 

Nunca mais o vi, ao rapaz da rua Júlio Dinis.

publicado às 21:46

Tento fazer um esforço mental para me recordar da ordem cronológica dos acontecimentos. Sei que no fim de junho (ou já seria julho?) eu não estava mal. Vivia uma fase em que não pensava nas consequências, agia por impulso mesmo quando não tinha a certeza, fazia o que gostava muito, mas também o que gostava mais ou menos e o que não gostava de todo porque, enfim, quando se está sem rumo definido, às vezes não se pensa no que realmente se quer, age-se, e pronto. No fim não é assim tão mau, mas também não é bom de todo.

 

Recordo-me de ir falar com o meu melhor amigo. Foi a primeira pessoa com quem falei sobre o assunto. Quando sinto a necessidade de falar de coisas muito muito boas, o Pedro partilha-as comigo; mas quando tenho medo, ele mantém-se; e quando faço algo que não aprova, está cá na mesma, porque é isso que os Amigos fazem. E, nessa altura, eu já sentia um bocadinho de medo, embora não soubesse exatamente de quê. Lembro-me que foi na FEUP, num dos corredores, que te pedi ajuda. Como em tantas outras vezes estendeste-me a mão, apesar de eu não (te) merecer. Obrigada.

 

A partir daí, o tempo passou a correr. Idas a Braga, comboios para cá e para lá, cancelei os meus planos de acampar, e a impulsividade do verão, essa, ficou em stand by por motivos óbvios. Fez-me falta a água do mar, para me arrefecer a pele e as ideias (um verão sem mergulhar chateia, sobretudo para quem mora ao pé da praia!). Tive muito medo uma vez; e depois outra, e mais outra, já no Porto; e depois deixei de ter medo porque, porra, sofrer por antecipação dá cabo de nós e não vale a pena.

 

Lembro-me de falar com um amiga e descobrir que ela estava a passar exatamente pelo mesmo que eu. Que coincidência! Dissemos em coro “que injusto!” mas foram palavras vazias porque, na verdade há coisas tão mais injustas a acontecer neste mundo que, agora que penso, o que sentimos foi reflexo de puro egoísmo da nossa parte.

 

No rescaldo do susto, aproveitei o meu dia de anos para doar sangue pela primeira vez (e até escrevi um texto bonitinho sobre isso, que publiquei aqui). Fi-lo no IPO do Porto e pedi a todos os meus amigos que se juntassem; ou que contribuíssem como pudessem. Reunimos um total de mais de 100 euros e eu, na altura pesei pela primeira vez 49 kilos e, por isso, consegui que a minha dádiva fosse aceite.

 

O melhor desta experiência é que foi neste verão aborrecido que eu mudei. Passou um ano e eu continuo mudada. Não foi sol de pouca dura como o sol do meu verão! Mudei a sério. Tornei-me uma pessoa muito mais calma e definitivamente menos precipitada. Percebi que não somos imortais e que há riscos que não vale a pena correr.

 

Sei bem o que fiz no verão passado; mas sei ainda melhor o que não vou fazer neste.

 

publicado às 17:53

As Noites da Queima

por MPS, em 01.05.15

Se és universitária e estudas no Porto, o queimódromo será a tua segunda casa na primeira semana de maio. Por muito cansativo e repetitivo que te possa parecer, não fiques em casa. Vai todos os dias. Todos.

Porque a Queima das Fitas é a melhor semana da tua vida de estudante.

 

Sapatilhas velhas e camisola de curso são o dress code adequado. Não te iludas. Não adianta maquiares-te, pois, em pouco tempo, sentirás o rímel a escorrer-te pela cara. Leva na carteira lenços de papel, porque ao início da noite as casas de banho já estão imundas.

Não entres no queimódromo sóbria, para não te desiludires. Encontra-te com os teus amigos da faculdade à hora de jantar, partilhem histórias, finos e experiências. Apanhem o autocarro na Trindade, que é de borla - e a probabilidade de morreres asfixiada no meio da multidão é menor do que parece. O máximo que te pode acontecer é viajares meia hora com o rabo de alguém mais alto encostado à tua cara, por entre gritos e canções académicas.

 

E se estiveres cansada, vai.

E se estiveres com sono, vai.

E se estiveres de ressaca, vai na mesma.

 

E, acredita, não vai ser perfeito. Nem de longe, nem de perto.

Vais chorar. Pelo menos numa das oito noites, vais chorar. Mas, calma. Provavelmente no dia seguinte não te vais lembrar do motivo.

E se vires um concerto, é porque a banda é mesmo, mesmo boa. Ou então enganaste-te nas horas de chegada.

 

Haverá momentos em que vais estar sozinha a vaguear por entre as barraquinhas. Outros em que estarás rodeada de gente a pagar-te shots a preço de custo. E pelo menos uma noite em que vais maldizer a tua sorte porque vais acompanhar a tua amiga ao posto médico (ou “a tua amiga” és tu).

 

E se pensas que vais enviar mensagens a amigos para se encontrarem contigo em algum ponto do queimódromo, desengana-te. O teu telemóvel não vai ter rede. Quem se cruzar no teu caminho será por acaso, e não premeditado – e é muito melhor assim.

E é certo e sabido que no último fim-de-semana vai chover.

 

Há-de chegar uma altura em que a Queima deixará de fazer parte da tua vida e tu e os teus amigos vão trabalhar todos os dias das 9 às 6.

Nessa altura, vais sorrir sozinha só por te lembrares daquelas oito noite parvas e sem conteúdo, onde não se aprende nada.

Mas os amigos de faculdade ficam para a vida.

Tags:

publicado às 23:02

Eu acreditava que aos 23 anos iria usar maquiagem todos os dias, e aplicar cremes ao acordar para manter a pele saudável, e nunca sair de casa com sapatilhas calçadas e swetshirt larga e masculina e, afinal, cá estamos nós, sem cremes, sem cuidado com a roupa, e a usar maquiagem – e mal aplicada– só às sextas à noite em discotecas ou quando os eventos profissionais o obrigam. Cresci e continuo meia maria rapaz por pura preguiça.

 

 

Gostava de descascar o verniz das unhas quando estou chateada mas, para isso, era preciso que me desse ao trabalho de usar verniz, uma vez que fosse. Olho descontente para as minhas mãos mal tratadas e admito a mim própria que sou fútil, e que essa futilidade ainda é mais evidente quando te explico porque é que, afinal de contas, estou irritada.

 

- Não percebes. Ela estava lá, e era perfeita, e eu não estava a contar. Eu achava que estava mesmo gira, mesmo sexy. Mas ela era vinte vezes melhor. Usava sapatos altos. Saltos de gala, porra. Ninguém anda assim no Porto! Eu nunca conseguiria. Já de botas tenho dificuldade, quanto mais de sapatos. Mas ela usava-os na perfeição. E o vestido era mais curto que o meu – mais perna à mostra, portanto. E mais maquiagem. Parecia um upgrade da Mariana. E toda a gente a elogiou. Parece que cozinha muito bem.– e descrevi-te, uma por uma, as camadas da porcaria do bolo perfeito, do vestido perfeito, da maquiagem perfeita e da merda dos saltos altos que sobrevivem no Porto, não sei bem como.

 

Sorriste mais uma vez, mas achaste que devias atirar mais uma acha para esta fogueira gigante que são os meus ciúmes.

- Ui. Ela sabe cozinhar? Então é uma namorada muito melhor que tu. Tu chamas “molho de tomate” à polpa de tomate que vem em frascos e que despejas atabalhoadamente em cima da massa – sem cebola, sem condimentos, sem mais nada.

Apetece-me bater-te. Mas tens razão. Suspiro, apenas, resignada.

 

- Mas gostas dele? – perguntas.

- Não.

E é aí que os teus olhos se iluminam, que reparo nas tuas pestanas enormes, um bocadinho femininas, apesar de eu saber de cor que és um homem com H grande.

- Então porque é que tens ciúmes?

Encolho os ombros. Não te sei responder.

- “Já não quero o meu brinquedo mas, se alguém brincar com ele, volto a querer? Não o quero, mas mais ninguém o pode querer”? – insistes.

Não sei o que te devo responder. Voltas a olhar-me surpreendido. Até me senti incomodada!

- Para. Porque é que estás a olhar para mim assim?

E tu és mesmo sincero, quando me dizes:

- Nunca hei-de entender a maneira de ser das gajas.

publicado às 00:24

Por vezes, ponho-me a pensar o que é que te passou pela cabeça para te apaixonares por mim.

Nos dias em que acordo a transbordar auto-estima, quero acreditar que ficas hipnotizado pelo meu sorriso inocente e me consideras a melhor pessoa do mundo. Que, quando me vês, tudo à nossa volta desaparece, que o mundo para e o teu coração bate mais depressa a cada palavra inteligente e pertinente que eu digo. Tudo isto, claro, enquanto passo a mão pelo meu cabelo loiro e esvoaçante, que condiz perfeitamente com o meu corpo de super modelo e o meu QI fora do normal.

Depois, rio-me às gargalhadas com estas considerações, que não podem estar mais distantes da realidade. O sorriso é tudo menos inocente, a maioria das minhas palavras são impulsivas e nada ponderadas, não sou particularmente bonita e estou muito, muito longe de ser uma pessoa boa e altruísta, capaz de se destacar entre todas as outras alminhas desinteressantes que passeiam pelas ruas. Portanto, se calhar a atração que sentes deve-se unicamente ao meu rabo empinado e ao meu sentido de humor atrevido (que agora te agrada mas, eventualmente, te faria sofrer).

De qualquer forma, desengana-te. Esse fascínio há de te passar rápido. Sou a pior namorada do mundo e a pessoa mais inconstante do nosso Sistema Solar. Não sou capaz de te retribuir como mereces.

Mas de uma coisa podes ter a certeza. Quero mesmo, mesmo muito, que sejas feliz.

(E eu também me quero apaixonar outra vez).

 

 

Da minha incursão de ontem pelas redes sociais, quer-me parecer que há quatro tipos de “notícias” de S. Valentim que se destacam no meu feed do facebook:

  • Fotografias de namorados em locais românticos com hastags do tipo #myvalentine #diadosnmamorados, #love, entre outras;
  • Reflexões pseudo filosóficas de pessoas que, muito ofendidas, alertam que “o dia dos namorados deve ser todos os dias”; “os namorados não se devem exibir no facebook, mas viver a sua felicidade ofline”; “há relações condenadas que tentam disfarçar o tédio e a traição através de fotografias apaixonadas nas redes sociais”;
  • Textos de pessoas que não namoram e sentem a necessidade de relembrar ao mundo como é importante manter o amor-próprio e como estão bem melhor sozinhas e independentes;
  • Fotografias de grupos de amigos que aproveitaram este dia para se divertirem em frente a jarros de sangria ou finos fresquinhos a condizer com o tempo que faz lá fora.

 

Atualmente, não namoro. Quando namorava, gostava de manifestações pirosas. E, se me incomodasse a exposição online, não escreveria um blog pessoal, parece-me óbvio.

Os longos textos com que me deparo sobre as vantagens de não namorar fazem-me rir, benevolente. Soam-me a desculpas de quem não faz a mínima ideia do que é amar, e ser amado. Quando o sentimento é verdadeiro e correspondido, amar é prioritário, e torna-nos mais felizes. Torna-nos melhores. Não há relações “sufocantes”, nem falta de tempo, nem problemas incontornáveis quando se ama de verdade. O amor-próprio é essencial, concordo, e é triste e lamentável anularmo-nos perante o outro, mas a partilha e a realização de ser feliz ao lado de quem se ama é o que há de mais bonito no mundo inteiro.

Se podemos viver sem amar? Podemos. Vivemos. Mas… viver feliz sem amar é como comer um pão quentinho acabado de sair do forno a lenha. É ótimo, não é? Sabe bem, não sabe? Mas, para ser mesmo, mesmo perfeito, falta a manteiga.

O amor é a manteiga no pão quentinho que é uma vida feliz.

publicado às 23:43

A Ana adora experimentar (roupa)

por MPS, em 08.02.15

Houve um tempo (que durou anos!) em que a Ana comprava uma peça de roupa e usava-a até a desgastar, até se sentir apertada ou o tecido rasgar ou desbotar. Namorava-a, devagarinho, na montra da loja, e, depois de a comprar, vesti-la tornava-se uma rotina que a preenchia.

 

Mas, certo dia, a Ana apercebeu-se que gostava de experimentar.

(Eu sei que, ao falar de carros, podemos usar a expressão test drive, quando temos a oportunidade de conduzir um modelo sem o comprar, sem qualquer compromisso, para termos a certeza da nossa futura decisão de compra. No caso da Ana, não sei se existe uma expressão em inglês; mas o que ela faz é, basicamente, a mesma coisa.)

 

Há uma política nas lojas em que compra que lhe permite devolver a peça ao fim de um determinado número de dias. Por isso, ela compra, guarda o talão na carteira, e veste-a, entusiasmada. Não assume qualquer compromisso, porque sabe que a pode devolver a qualquer altura e reaver o dinheiro gasto. Só tem de ter cuidado com um pormenor: não causar danos que impeçam a devolução. Danos irreversiveis, que não podem ser disfarçados, são inimigos de quem gosta mais de experimentar do que de adquirir.

 

Infelizmente, experimentar tem um limite temporal bem definido. A Ana adora experimentar mas há uma altura em que é obrigada a decidir. Se a devolve, e prossegue até à próxima loja, para comprar (e, depois, devolver), a peça de roupa da coleção mais recente, ou se assume que a quer a full time, que é mesmo dela, e deixa passar o prazo de devolução.

 

É que, depois de tomada a decisão, já não pode voltar atrás.

 

Por vezes acontece-lhe devolver uma camisola e cruzar-se, uns dias depois, com outra mulher que a traz vestida. Sente uns ciúmes inexplicáveis, irracionais, e apetece-lhe gritar: “hey! Essa era minha!”. Foi, já não é. Tiveste a tua oportunidade, Ana. Desperdiçaste-a porque quiseste experimentar outra e, agora já não há à venda. Essa saudade que estás a sentir é culpa tua.

Por outro lado, se optar por não a devolver, sabe que tem de lhe dar uso. Se nela investiu o seu dinheiro, deve vesti-la. Não pode esquecê-la a um canto, e continuar a experimentar desenfreadamente outras peças de roupa que tenciona descartar quinze dias depois.

 

Acho que a Ana se habituou a esta nova rotina de comprar, devolver, reaver o dinheiro e comprar outra peça que lhe desperte o interesse, por ser novidade, ou por outro qualquer motivo que nem ela sabe explicar. Não sei se é a sensação de querer algo novo, de fugir da rotina, de vivenciar experiências distintas sabendo que não se está a comprometer.

 

Não possui, na verdade, mas não se chateia.

publicado às 20:17

10 lições que aprendi em 2014

por MPS, em 01.01.15

10 lições que aprendi (ou reaprendi) em 2014 e que espero não me (voltar a) esquecer em 2015:

 

1. Não somos imortais e há riscos que não vale a pena correr.

 

2. As pessoas não são objetos. Por isso, não as trates como tal. Se estão sempre cá para ti, se se importam, agradece-lhes. Não são coisas em que pegas quando precisas; não as dês como garantidas, porque podem ir-se embora.

 

3. O mundo (à partida) não acaba hoje; há coisas que podes fazer amanhã. Tem calma. Pondera. Viver a vida ao máximo não significa experienciar tudo num dia, descontroladamente.

 

4. Se não estás bem, muda. Mesmo que digam que a tua vida é perfeita, que tens muita sorte e que não te podes queixar. Muda. Não vale a pena as pessoas que contam contigo sofrerem à tua espera, enquanto ganhas coragem para decidir o que já há muito tempo está decidido dentro de ti.

 

5. Enquanto a felicidade dos outros coincide com a tua, corre tudo muito bem. Mas quando tens de abdicar de parte dos teus caprichos para que os outros sejam felizes, há uma grande confusão entre o teu egoísmo e o altruísmo que tanto defendes. Na dúvida, a solução é teoricamente fácil, lembra-te: por muito que te pareça o contrário, não há nada que te faça mais feliz do que contribuires para a felicidade dos outros.

 

6. O que quiseste ontem às vezes não é o que queres hoje. Mas aquilo em que verdadeiramente acreditas mantém-se, e é por esses valores que te deves orientar, mesmo quando não fazes a mínima ideia por que caminho deves seguir.

 

7. Há coisas mais importantes na vida do que defender um ponto de vista até ao fim.

 

8. Amar é prioritário. É muito mais importante do que outra coisa qualquer. As pessoas que dizem o contrário só o fazem porque ainda não amam de verdade.

 

9. As tuas conquistas só sabem mesmo bem se te esforçares verdadeiramente para atingir os objetivos que traçaste.

 

10. "O que não te mata" não te deixa mais forte a curto prazo. Pelo contrário, enfraquece-te e pode deixar-te incapaz de reagir, de seres feliz. Só a longo prazo é que podes, eventualmente, beneficiar com o que sofreste.

publicado às 18:47

Carta a 2014

por MPS, em 25.12.14

Caro 2014,

 

Gostava de começar por te dizer que sou uma pessoa extremamente altruísta, que não ligo nada a prendas e que, este Natal, só te peço paz no mundo e felicidade para todos. Seria uma atitude louvável da minha parte. E, se calhar, um bocadinho hipócrita. Sobretudo porque, enquanto te escrevo, admiro com orgulho a minha Canon 1200D, que está pousada na mesa enquanto a bateria carrega, devagarinho.

Por isso, vou ser egoísta, e agradecer-te. Obrigada; não podia ter tido melhor prenda de Natal do que esta, capaz de guardar sorrisos de amigos, lugares inesquecíveis e momentos que nos mudam, tudo num único cartão de memória!

Sabes que sou suficientemente inteligente para agradecer primeiro por tudo o que tenho de bom antes de te pedir o que quer que seja, por isso vou continuar. Obrigada por mais um Natal. Desde que nasci, a noite de 24 de dezembro e o dia que se lhe segue são momentos de alegria em família, de partilha, de comida boa e de alegria; e eu sinto-me a pessoa mais feliz do mundo.

Obrigada também por tudo o que me trouxeste. Acho que cresci. Para os lados, pelo menos, sei que cresci, que os chocolates não perdoam e a balança não me deixa mentir. Mas acredito que, este ano, cresci também por dentro. Obrigada pela nova oportunidade de trabalho que me tem deixado orgulhosa, expectante e (às vezes) com vontade de gritar e arrancar cabelos; obrigada pelo que aprendo, todos os dias, e pelos colegas à minha volta, que são boas pessoas, são pessoas solícitas e me acolhem tão bem.

Obrigada por poder continuar a fazer parte da Erasmus Student Network e por ser agora parte da direção nacional: esta é também uma escola e torna-me, cada vez mais, uma pessoa mais conhecedora, uma pessoa melhor. Obrigada pelos quatro gatinhos da minha ninhada.

E obrigada pelo 18 na tese de mestrado; sabes bem que fiquei de boca aberta quando o júri se pronunciou; um bocadinho orgulhosa, um bocadinho convencida, a sentir-me dona do mundo inteiro, “mestre Mariana”, prazer.

Por último, quero agradecer-te as pessoas que tens posto no meu caminho. Aí sim, saiu-me o Euromilhões. Agradeço-te pelas amizades de Jornalismo, da FEP, da OM, do CASA, da ESN, da Comunidade dos Portugueses em Roma e por todos os verdadeiros amigos que se têm mantido ao longo dos anos; não podia estar mais agradecida. Obrigada pela Lia continuar sempre cá, e muito, muito obrigada pela paciência do Pedro, que vai do Porto até à lua, volta da lua ao Porto, e vai e vem mais umas quantas vezes.

Quanto aos miaus, sabes o quão triste fiquei por 2013 me ter levado a Tica, por isso, obrigada por o Gatuso, a Kity e A Gata Cristi se manterem saudáveis, gordos e felpudos!

Só há uma coisa que tenho a apontar, 2014. Aquela chatice do verão que se tem estendido até agora. Eu sei que serviu para eu aprender. Mas não me voltes a assustar desta maneira. Nem a mim, nem aos meus pais. Eu prometo que tenho juízo. Eu sempre me portei bem!

 

Posto isto, vou traçar os meus planos para 2015. Transmite-lhe esta mensagem, por favor.

Quero ser feliz. Quero fazer mais pelo meu trabalho, mais pela ESN, e muito mais pela minha família. Quero ser uma pessoa melhor, e ter mais paciência. Um feitiozinho um bocadinho mais suportável.

Tu sabes quem são as pessoas importantes para mim. Ajuda-me a fazê-las felizes.

(Para além disso, quero emagrecer. Só um bocadinho. Vá lá, vou ter força de vontade para ir ao ginásio, cortar nos chocolates e, quando chegar ao verão, hei de ter a barriga aos quadradinhos! E quero viajar. Achas que é em 2015 que consigo ir à Austrália?)

 

Obrigada por tudo, 2014.

Até já 2015!

publicado às 22:15


Mais sobre mim

foto do autor


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.


Arquivo

  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2017
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2016
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2015
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2014
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D